"Ela pensa nele, sabe que ainda não o deixou realmente e já sente a sua falta. Sente saudades dos passeios à beira-mar, das conversas que os uniam nos momentos em que estavam juntos e não pensavam se eram só momentos, do tempo que se prolongava à mesa do restaurante que preferiam, das noites de amor em que amanheciam abraçados.
Acorda a pensar nele e vai pelo dia fora a recordar-se dele, como uma música de que gosta e não lhe sai da cabeça. Fecha a porta de casa, sem destino certo, e dá por si a percorrer as mesmas ruas, passando pelos mesmos locais onde estiveram os dois tantas vezes que já chamavam seus. Nisto, levanta-se um vento premonitório, uma nuvem negra esconde o céu claro da manhã e começa a chover. De um momento paa o outro, cai um aguaceiro tremendo, a rua transforma-se num rio, a água transborda pelo lancil do passeio, arrasta as esplanadas e espanta os clientes desprevenidos que ainda há pouco aproveitavam o sol daquela manhã de Inverno.
Apanhada de surpresa, ela corre a abrigar-se debaixo do toldo de uma loja, que resiste à tempestade, e ali fica, sacudindo as gotas de água antes que lhe ensopem a roupa, esperando que a nuvem se vá. Afunda as mãos nos bolsos do casaco comprido, bate os pés no chão. Tem as botas encharcadas e a bainha das calças de ganga escurecidas da água que pisou, na precipitação da fuga no início da chuva.
A poucos metros dela, vê passar um casal que desafia a tormenta debaixo de um frágil guarda-chuva com o padrão da bandeira inglesa, demasiado pequeno para tanta chuva. No entanto, eles marcham a passo certo, descontraidamente, seguindo o seu caminho. A mulher segura o guarda-chuva, usa um chapéu a proteger-lhe a cabeça, leva uma carteira vermelha dependurada; o homem tem o braço por cima dos seus ombros. Debaixo do toldo, ela observa--os com um sentimento nostálgico. Ao fundo, para lá daquele casal, vislumbra a luz do sol que já lhes recorta a silhueta. Também ela, há pouco tempo, percorreu aquela rua abraçada ao seu amor. Mas agora está sozinha, desolada, presa a uma decisão que tomou mas não a satisfaz.
A chuva pára, tão depressa como começou, o sol emerge das nuvens, libertado, volta a brilhar e reflecte-se no passeio molhado, fulge na chapa dos carros. No bolso dela, o telemóvel toca, tira-o para fora, vê que é ele, solta um suspiro, sorri, atende, ouve-o dizer tenho saudades tuas, ouve-se dizer eu também e logo começa a contar-lhe, entusiasmada, da chuva que a apanhou de surpresa, um verdadeiro temporal de pouco minutos, diz. E depois, sem mais, continuam a conversar como sempre fizeram e ela, aliviada, pensa na separação como se tivesse sido também e só um temporal passageiro."
Por:Tiago Rebelo, Escritor (breveshistorias@hotmail.com)